“A preservação da tradição tem continuidade daqueles que tem consciência e alma de terra!” (João Carlos Paixão Côrtes)
Foto: CTG Barbicacho Colorado de Lages/SC – Rodeio de Vacaria 1992
Para essa coluna, sou sincero em citar que demorei um razoável tempo para amadurecer meus pensamentos e colher lembranças para concluí-la, da maneira como acho frutífera.
São assuntos delicados, por estarmos vivenciando (ainda) a própria história da dança, da primeira apresentação e didática de muitas delas, da discussão primária de outras, e etc… às vezes cada passo dado (errado e/ou certo) pode influenciar para sempre uma visão futura, por parte dos mirins e juvenis que nos enxergam hoje nos palcos, nos vídeos e nas decisões de bastidores.
A ideia é ensinar produtivamente. E tudo que a gente fala, às vezes, parece que já é tarde! Muito se ganhou, porém muito também já se perdeu… e para não se “olvidar” mais, acho fundamental ouvir (ainda e sempre) a voz das pessoas que sempre pensaram lá adiante (ou da pessoa), prevendo o que se perderia com o tempo, dentro de uma consciência natural de terra.
Portanto, bueno…
…O nosso sul sempre foi um pólo cultural muito rico… e diferente. E por estar aparte do mercado e das decisões centro-nacionais, se caracteriza, de modo geral, a um ambiente de resistência cultural, criando constantes barreiras para que a comercialização e a aplicação momentânea do consumo não abracem e ofusquem a cultura simples que nos foi gerada.
Não só o sul gaúcho, mas podemos citar também a cultura açorita do “Desterro” (Florianópolis/SC), o “Fandango Paranaense” (Caiçara/PR), dentre outras manifestações populares sulinas. São movimentos culturais que ainda resistem, defendem e se defendem a base de muito custo. O mundo voltou-se para o lado comercial com muita intensidade, e nele tudo acaba se tornando produto, ou usam como produto.
Música, poesia, pintura, livro, filme… e, inclusive, a dança. Cada um tem na cabeça aonde quer chegar e o que quer deixar como legado próprio (ou nenhum legado). Mas a cultura, acima de tudo, deve servir primordialmente para o ensino: as pessoas podem fazer um filme para ser comercial e ficar no cinema somente um mês, tendo milhares de espectadores. Enquanto outros resolvem fazer um filme “cult” (uma obra de arte), e por mais que não se tenha tantos espectadores em seus lançamentos, ficarão anos e mais anos nas prateleiras diversas do mundo, para ensinamento e crescimento cultural de todos… resistindo.
A analogia é ampla, mas na dança acontece o mesmo. Os concursos são uma maneira de comercializar nossa cultura local (que não é somente uma dança, mas modo de vestir, modo de se portar, de tocar, de viver, etc). Para ganhar a corrida comercial na dança, alguns acham que tudo precisa ser diferente: precisam da indumentária diferente, da música diferente, dos arranjos musicais diferentes… e das informações diferentes.
Buscando essas informações, o povo se depara com filmes de Youtube, com sapateados norte-americanos, cerimonias europeias, roupas cortesãs, xadrez escocês, contracantos musicais dos antigos festivais da Record, vocalizações de MPB, e tantas mais referências alienígenas à nosso local de existência.
Já numa falsa inserção “acrioulada”, pelo lado sul-americano se busca panças-de-burro dos filmes de Martín Fierro, palas como chiripás dos filmes de Don Segundo Sombra, ceroulas compridas usadas em Opera-pampa, guaiacas (rastras) dos livros de Fernando Assunção, cores e modelos cinematográficos dos “O tempo e o vento”… e tanto mais… todas buscas somente para ser diferente: para ganhar algo.
Como nossa cultura é de resistência (e sempre foi), nossa verdadeira raiz não está no comercializado e no de fácil acesso… está no que também resistiu por aí, ao longo dos tempos. No que foi lançado sem tantos espectadores, mas ainda estão nas estantes para ensinar ao povo ou num fundo de campo para servir de divertimento próprio nas dimensões pampeanas da nossa geografia.
Em paralelo a isso (como citado acima), a prática do poder aquisitivo torna viável a ficção em cima do homem que habitava nosso sul… reproduzindo ferozmente essa prática, a ponto de hoje ser ela quem dita efetivamente as normas e as regras… infelizmente.
Por isso disse lá no inicio: Tudo que a gente fala, às vezes, parece que já é tarde! E para isso devemos ouvir mais as pessoas que nos orientaram, desde o começo.
Posso citar datas importantes, a ponto de entendermos:
01 – Curso de Paixão Côrtes em Panambí/RS – Janeiro de 1983
02 – Juri do FEGART – Outubro de 1989
03 – Juri do FEGART– Outubro de 1990
04 – Juri do FEGART – Outubro de 1991
05 – Curso/Seminário de Paixão Côrtes em Farroupilha – dezembro de 1990
06 – Seminário de danças em Camboriú/SC – Janeiro de 1991
07 – Seminário de danças em Vacaria/RS e a Carta de Vacaria – Maio de 1991
08 – Rodeio de Vacaria – Janeiro de 1992
…só para iniciar a citação!
O que essas datas tem em comum?
Todas, absolutamente todas (de modo inicial), tiveram alguma “boca no trombone” de João Carlos D´Ávila Paixão Côrtes. Do folclorista Paixão Côrtes. Claro, dentro das óticas do momento, corrigindo-as, de acordo com o apresentado e sugerido pelos grupos de danças ativos da época (ou das épocas).
Continua…