O dia 20 de setembro é sempre muito festejado com orgulho pelos viventes do Rio grande do Sul. Neste dia, em 1835, os comandados do General Bento Gonçalves da Silva tomam Porto Alegre e desencadeiam o surgimento da República Rio-Grandense. No entanto, nesta data não é relembrada apenas a independência deste que hoje é um Estado, mas sim, os ideais de um povo forte, aguerrido e bravo.
Gaúchos e gaúchas têm orgulho do chão em que pisam. É verdade que atualmente o Estado não esteja lá grande coisa, afinal há problemas no sistema de saúde, na segurança e na educação, e a gente poderia muito bem pegar nossas malas e partir. No entanto, isso essa gurizada buena não faz, a não ser que seja a única opção. Logo que lembramos da união ao preparar o churrasco, do quanto o mate aquece a nossa alma, quando pegamos um livro e começamos a reviver o passado glorioso do Rio Grande, de vereda a chama da paixão se acende dentro de nós. E a gente espera poder fazer algo para que este garrão torne-se exemplar à toda Terra.
O Rio Grande do Sul vive uma crise tremenda. Não há muitos pila nos cofres, e parece estar num labirinto sem saída. A realidade é preocupante. É um Estado que tem decaído constantemente nos rankings nacionais ano após ano. É um fato alarmante para este que já fora destaque, principalmente em educação e saúde, há 1 década atrás, e foi motivo de orgulho para as pessoas daquele período. Refletindo sobre isso, fica a questão: será que algum fará novamente jus ao seu hino?
Na Semana Farroupilha, de 13 de setembro até o dia 20 do mesmo mês, essas questões podem ser deixadas de lado, mas não são, pois o gaúcho ama este pedacinho de mundo que fora destinado à si. Por mais que há festejos, rodas de chimarrão e fandangos em cada cantinho que a gente averigua, tem sempre aquele que reserva um tempo para pensar nos antepassados que aqui viveram – e deixaram motivos para que o dia 20 seja uma data possível – e merecida – de ser vivida.
Quem pensa sobre isso, sabe que a história do Rio Grande do Sul tem vários momentos importantes, tanto é, que para compreender o surgimento de seu povo, deve-se buscar o seu primórdio.
Resumindo:
Apenas os nativos conheciam essas terras. Então, no ano de 1501, caravelas portuguesas, primeiro e logo depois as espanholas começam a aparecer nas costas gaúchas.
Dessa forma, tem início a história do Rio Grande do Sul. Em 1626 o padre jesuíta Roque Gonzalez de Santa Cruz, nascido no Paraguai, atravessa o rio Uruguai e funda o povo de São Nicolau, assinalando oficialmente a chegada do homem branco ao território gaúcho.
Mais tarde, no ano de 1634, o padre jesuíta Cristobal de Mendoza Orellana (Cristóvão de Mendonça) introduz o gado nas missões Orientais, o que vai justificar mais tarde o surgimento do gaúcho.
Em 1680, Portugal resolve finalmente marcar presença na região Sul do Brasil para enfrentar o expansionismo espanhol: Dom Manole Lobo funda a Colônia do Santíssimo Sacramento, que vai ser decisiva para o surgimento do Gaúcho. Então, vem as peleias brabas entre portugueses e espanhóis pelas terras rio-grandenses.
A seguir, retratando os anos a partir de 1815, os registros históricos citam a Independência do Uruguai, que também será de suma importância para a história sulista, pois é inspiradora para Bento Gonçalves da Silva.
Então, chegou o anos de 1835 e explodiu a Revolução Farroupilha. A 20 de setembro, os revolucionários comandados por Bento Gonçalves tomam Porto Alegre, capital da Província. As causas são políticas, econômicas, sociais e militares. A Província de São Pedro do Rio Grande do Sul estava arrasada pelas guerras e praticamente abandonada pelo Império do Brasil, meio desgovernado depois da volta de Dom Pedro I a Portugal.
Em 1836, no dia 11 de setembro o coronel farroupilha Antônio de Souza Neto, depois de uma estrondosa vitória sobre as forças imperiais brasileiras no Seival, proclama a República Rio-grandense. Bem, o resto é história cujo final o povo dessa terra sabe muito bem.
Veja: a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul estava abandonado, estava ficando para trás, é como se não houvesse uma alma sequer ali. Mas havia, e eles estavam preocupados com seu futuro! Decerto bem sabiam que povo que não tem virtude acaba por ser escravo. Não ficaram parados e partiram em busca de um futuro que pudesse ser digno àquela gente.
Mesmo o exército inimigo tendo duas vezes mais almas em seu batalhões, pelearam assim mesmo. Logo, algumas mulheres haveriam de administrar sozinhas as estâncias, sendo mães, campesinas, guerreiras, e outras não teriam outra atitude a não ser acompanhar seus maridos para os campos de batalha. E muitos homens estavam nesses campos encharcados de suor, sangue e horror, querendo apenas estar no lar com sua família. Foram tempos difíceis. É fato triste de citar, mas nessa terra há mais húmus de sangue do que detritos seculares. Mais tarde, esgualepados de tanta peleia, o império tenta oferecer uns pila para que desistissem do sonho da República Rio-Grandense, mas os gaúchos não aceitaram. Lutaram com dignidade, pela dignidade. Tudo findou com um Tratado. Mas deu tudo certo. Afinal, hoje mesmo somos gaúchos, e o Rio Grande têm sido um baita lugar desde então.
Passado tudo isso, até hoje cultivamos hábitos daqueles tempos: o chimarrão, o amor ao cavalo e ao cusco, a paixão pela família, o apego pela simplicidade, a baita determinação; em alguns há o jeito grosso de ser, mas sempre há o coração aquecido e os olhos emocionados ao ver algo relacionado com a nossa cultura.
É agradável relembrar momentos históricos e personagens que poderiam facilmente virar personagens do Cinema Gaúcho (e de Hollywood, né?! haha). Os viajantes que aqui estiveram anteriormente, e até mesmo escritores que nasceram por essas bandas, deixaram vários registros apaixonantes sobre o jeito gaúcho de ser, porém farei isso em outras publicações. Agora é hora de fazer a cuia do mate roncar e pensar sobre os dias que virão de agora em diante. E é uma pena não podermos parar o tempo e permanecermos eternamente neste dia 20 de Setembro, ouvindo a música de nossa terra soar cada canto o tempo inteiro, vivendo, não apenas revivendo.
Para findar esta coluna, deixo aos leitores trechos da Poesia Popular, de Apolinário Porto Alegre – o primeiro letrado da província a manifestar interesse em recolher fragmentos do cancioneiro popular e ressaltar a importância do folclore e da “tradição oral do povo rio-grandense”.
Numa introdução à Poesia Popular ele fala de sua preocupação com a preservação de alguma memória histórica do Rio Grande e diz em tom de desabafo:
Reuni sob esta denominação as poesias colhidas da tradição oral do povo Rio-grandense. Trazem como todos os produtos vulgares o caráter da anonímide.
São a expressão espontânea dos grandes ideais duma raça; delas, porém não se infira o cunho artístico que condiz com classes mais cultas, épocas adiantadas e civilização superior. Dizem, todavia, o entusiasmo pela liberdade, o ódio e a aversão pelo despotismo, sentimentos congênitos com o gaúcho.
Os rudes bardos, em torno dos fogões dos acampamentos, ao som das violas dedilhadas vigorosamente, inspirados pelos sucessos da luta e paixões do momento, vasavam nos moldes de um verso tosco o que lhes ia pela alma. (…)
Muita cousa neste gênero deve ter-se obliterado da memória das antigas gerações e ser inteiramente desconhecida às novas. Mas preciosas relíquias, antes que a esponja do tempo as apagassem de todo, poder-se-iam ainda reunir, havendo esforço coletivo e empenho patriótico, cuja ausência é aliás notória nos governos a atualidade. (…)
O pouco que coligi, ai vai, (…) como um patrimônio das glórias do passado. (…) E a geração que neste momento é acalentada ao seio materno, terá o direito de perguntar: Que legado deixaram nossos antepassados? (…) Por que de nossa história, de nossas tradições, de nosso heroísmo não existem os arquivos guardados com solicitude e interesse criterioso? (…)
O que hodiernamente é o povo rio-grandense, a sua energia máscula, o seu amor intrínseco às conquistas liberais e democráticas, a antipatia inveterada contra os tiranos e instituições retrógradas e privilegiadas, tudo isto não é mais que uma consequência.
As premissas estão nas origens, nos fatores constitucionais da raça, a que me orgulho de pertencer. (…)
PORTO ALEGRE, Apolinário. 1981
SOBRE O AUTOR:
Mateus Müller, 22 anos, reside na cidade de Novo Cabrais –RS.
No ano de 2016 iniciou seus passos na invernada adulta do CTG local, o Presilha Pampiana, onde permanecera até meados de abril de 2017. Começou ali a real paixão pelo Rio Grande do Sul.
Em 2018, escreveu uma peça de teatro unindo Religiosidade e Tradição Gaúcha, para um evento religioso entre jovens da região central do Estado, e foi honrado com o troféu amador de 1º lugar. Desde então, segue lendo e escrevendo sobre as coisas do pago; E seu encanto segue aumentando.
REFERÊNCIAS:
Cronologia: http://www.paginadogaucho.com.br/hist/crono.htm
Livro: “De Rio-grandense a Gaúcho: o Triunfo do Avesso”, de Carla Renata Antunes de Souza Gomes