Eventos tradicionalistas
Foto: Eduardo Rocha

Em tempos de virtualização de eventos tradicionalistas, estamos nos aproximando ou nos afastando dos ideais tradicionalistas?

A pandemia do vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19 (“coronavírus” ou “novo coronavírus”), declarada pela Organização Mundial da Saúde – OMS no mês de março deste já marcante 2020, tem sido amplamente divulgada pela mídia nacional e internacional e vem repercutindo em inúmeros âmbitos da vida humana, do social ao político, da saúde à economia.

Não tem sido diferente com o Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG. Seus Centros e Departamentos de Tradições, Piquetes Tradicionalistas e demais entidades reconhecidas, muito especialmente com suas atividades de convívio social que são por assim ser a mola propulsora do culto às tradições, considerando o espirito do que consta na Carta de Princípios, Estatuto e demais diplomas normativos do MTG.

Fato é, nesse contexto, que pela pandemia do coronavírus, o Movimento Tradicionalista Gaúcho viu seu planejamento de eventos ser verdadeiramente engessado, paralisado quase que por completo, dadas às recomendações de isolamento social vivenciadas desde meados de março de 2020.

Nessa toada, inúmeros eventos foram suspensos, outro adiados, e outros tantos cancelados. Exemplos disso foram os rodeios da região do litoral (Capão da Canoa, Xangri-lá e Osório), bem como rodeios da região da Serra (Flores da Cunha, Muitos Capões, Lagoa Vermelha, entre outros); mais emblemático foi a suspensão da Festa Campeira do Rio Grande do Sul (FECARS), e o cancelamento do Entrevero de Peões e da Ciranda de Prendas em 2020.

Seguimos todos na expectativa da realização de outros tantos eventos para que o ano de 2020 não passe em branco, muito especialmente dos ditos principais, que são o ENART e o FEGADAN, além de outros que embora não oficiais são muito requisitados e prestigiados pela comunidade tradicionalista, como FestMirim, o JuveNart e o FestXirú.

Rodeio Vacaria - 2020
Rodeio Vacaria – 2020

Em meio a tudo isso, a gauchada resolveu entrar na onda das “lives”, e assim foi inaugurado com força a série de eventos virtuais, no que se destacaram fóruns de debate abordando diversos assuntos do mundo tradicionalista, e especialmente artístico, com especial atenção às danças tradicionais, à chula, e assim por diante.

Até concurso de CHULA na internet tivemos nesses tempos de isolamento social; um promovido pelo próprio MTG, para crianças até 13 anos (ChulaWeb), e outro promovido pela Academia Brasileira de Chula, esse com mais de uma categoria, envolvendo sapateadores de todas as idades (ChulaNet).

Considerando o momento vivido, sem dúvida que a ideia, ou as ideias, foram muito válidas, como forma de manter viva nos chuleadores a vontade de seguir ensaiando e de confraternizar, ocupando o tempo ocioso das crianças nesse momento de quarentena.
Contudo, tem-se notado que outros “atores” da cena artística (e seus interesses…), pegaram carona na ideia do momento para assim se promover, e possivelmente promover seus intentos pessoais.

Pela experiência que temos, graças aos já completados 30 anos de envolvimento com o Movimento, sabemos que quando os interesses pessoais são colocados à frente dos interesses coletivos, perde-se os fins.         

Sem dúvida que a tecnologia é muito boa; ela aproxima as pessoas que estão longe fisicamente, mas o temor que se apresenta é que ela termine por afastar de vez a pessoas dos eventos tradicionalistas…e óbvio que não falamos aqui das pessoas que se acham à centenas, ou milhares de quilômetros de distância das divisas do Rio Grande do Sul. Fala-se aqui de quem está bem perto dos eventos, as vezes na própria cidade em que eles se realizam, e preferem por comodidade visualizar tudo de casa, pela TV, pelo computador, ou mesmo hoje em dia pela tela de seus celulares.

Isso tem ocorrido, a partir do belo trabalho que fazem a TV TRADIÇÃO, a TV DO GAÚCHO, a TV CHULA e outras tantas…que são muito louváveis a partir do trabalho de divulgação que fazem (“…tá no Enart, tá no mundo!”), mas, por outro lado, os eventos sofreram uma sensível redução no número de expectadores, e o ENART é a maior prova disso…o conforto de ficar em casa, assistindo tudo “AO VIVO”, da comodidade do sofá, faz com que muitos tradicionalistas e admiradores deixem de ir no local, viver o evento, e prestigiar os artistas in loco.

Isso tudo, junto e misturado, pode estar nos apresentando, a temida “quarta onda” do Movimento Tradicionalista. Senão vejamos…

PRIMEIRA ONDA:

Nossos eventos tradicionalistas eram bem frequentados, especialmente os artísticos; as pessoas e os grupos ficavam acampados e aproveitavam tudo que os eventos ofereciam;     Quem não se lembra da cidade de lona do FEGART em Farroupilha???

CTG S.A.
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FEGART – Farroupilha

SEGUNDA ONDA:

Inventaram o alojamento, então os grupos somente iam para o rodeio para dançar, e depois que dançavam davam-se ao luxo de assistir os demais grupos se apresentar.

TERCEIRA ONDA:

Os grupos de dança perderam o pudor e passaram a ficar em hotéis, e com as transmissões dos concursos ao vivo, os grupos já nem ficam mais após suas apresentações para ver os próximos concorrentes…dançam e voltam para os hotéis e assistem os demais concorrentes pela “internet”.

QUARTA ONDA:

Pelo andar da carruagem, impulsionado pelos acontecimentos recentes, o sincero receio que se apresenta é que a “QUARTA ONDA” nos leve para uma tradição totalmente virtual, cada um assistindo as apresentações das suas casas, e os próprios artistas executando sua arte de casa…cada um gravando sua arte e remetendo para um comissão avaliadora que também os avaliará de casa…cada um no seu computador, e as pessoas mais afastadas umas das outras…

Esse é o sincero receio que temos…

Não podemos perder de vista que arte se faz com emoção, e emoção se cria nestes ambientes pela presença e energia das pessoas; é o calor humano que alimenta o artista da tradição; foi assim que aprendemos, foi assim que praticamos, e foi assim que ensinamos. Não podemos cair na tentação de tentar criar esse atalho que retirará da nossa arte o brilho e o colorido especial de um ENART, de uma Vacaria ou de um FEGADAN.

ENART - Santa Cruz do Sul
ENART – Santa Cruz do Sul

Como tudo na vida, a tecnologia deve ser utilizada como aliada, com parcimônia e equilíbrio, sem que nos esqueçamos que o motivo maior do Movimento Tradicionalista é o de congregar as pessoas em torno do ideal do culto às nossas tradições do passado, incentivando abraços e apertos de mão, na certeza de que esse momento triste da humanidade vai passar e que logo estaremos todos irmanados em nossos eventos (bailes, rodeios e festivais…), desfrutando do mesmo mate e saboreado assim o prazer de ser tradicionalista, na teoria e na pratica.

Quanto aos concursos de chula pela internet nesse período de afastamento social, seja o ChulaWeb ou o ChulaNet, acredita-se que é algo válido e salutar para o momento. Agora, imaginar-se um concurso estadual ou uma grande competição de chula por esse formato nos parece algo muito equivocado, eis que a chula, assim como que qualquer manifestação artística, por mais que se tenha critérios, pesos e valores, NUNCA será uma ciência exata!

Chula é emoção, é emocionar; é desafio, não “por amores” como erroneamente se difundiu, mas na senda peregrina dos antigos tropeiros, e nesse contexto é arrepiar-se, a si e ao público…exatamente por isso que se diz que a chula (e que a arte!) é momento!

Por fim, instiga-se os tradicionalistas a pensarem que a retomada de nossas atividades se faz necessária; cultura, arte, entretenimento, estão diretamente ligados ao estado de bem estar social; não podemos cuidar da nossa saúde física e descuidar da nossa saúde mental.

O mundo não é mais o mesmo, e precisamos todos aprender a lidar com essa nova realidade, inclusive nós tradicionalistas; se formos aguardar os riscos de contagio com o vírus causador da COVID-19 se dissiparem por completo, por certo que não teremos eventos tradicionalistas pelos próximos 2 (dois) anos, o que seria impensável à comunidade tradicionalista.

FEGADAN 2018
FEGADAN 2018

Precisamos urgentemente retomar nossas atividades, não de forma inconsequente, mas cientes do momento que vivemos, tomando as medidas que estão ao nosso alcance para um retorno gradual e o mais seguro possível. Porém, é preciso que nos acostumemos a pensar em nossos eventos, com espectadores “mascarados”, com pessoas circulando pelos parques de eventos devidamente pilchadas e de máscaras.

O MTG precisa conduzir a comunidade tradicionalista nesse sentido, e cremos que o fará.

Ou é isso, o damos inicio de vez à temida “QUARTA ONDA” em nossos eventos tradicionalistas, e as consequências para nossa cultura podem ser muito danosas, possivelmente irreversíveis.