Texto de Márcio Cavalli sobre a polêmica sobre a Música Gaúcha.

Luiz Marenco

O desabafo do nativista e agora deputado estadual Luiz Marenco contra as atrações do Rodeio de Porto Alegre, manifestado pelas redes sociais há alguns dias, não pode ser considerado como o ranço de um músico que desejaria estar no evento. Ele representa a angústia das dezenas de artistas que veem cair o público adepto do cancioneiro regionalista gaúcho – e não se pode jogar a culpa no acaso.

Barbosa Lessa, ao escrever a tese O sentido e o valor do tradicionalismo, apontou a iminente “desintegração” da cultura e da sociedade ocidental por dois motivos: o enfraquecimento das culturas locais e “o desaparecimento gradativo dos grupos locais, comunidades transmissoras de cultura”. Previa a tal globalização pela qual ter bandeira ou defender fronteira é politicamente incorreto.

Imersos nessa macrocultura, aos poucos é colocado à sociedade que se manter regional é antiquado; é não aceitar o geral, o universal. Em regiões turísticas como a minha, aqui em Canela, comerciários recebem turistas empregando “você”, como se o “tu” fosse ofensivo. Nas nossas praias, todo mundo fala “salva-vidas”, mas a grande mídia empurra goela abaixo “guarda-vidas”. É a mesma coisa que um português chegar aqui e dizer que o conveniente é chamar o goleiro de “guarda-redes” (e a Brigada Militar, única das polícias militares do país a conservar sua denominação, que se cuide).

Esse “desagauchamento” já é visto nas salas de aula. É difícil um professor trabalhar em Língua Portuguesa termos do nosso regionalismo. Falar para uma criança “macanudo”, “taita”, “ventana” e outros termos, se não soarem como de outro planeta, dão a impressão de ofensivos. Senti na pele isso, pois trabalhei vocabulário regionalista nas minhas aulas durante muitas Semanas Farroupilhas.

Na música, na ânsia do ganha-pão pela projeção desejada por qualquer artista, muitos lançam composições carentes de linguajar campeiro em benefício da letra engraçada, mais embalada. Não à toa, vemos nossos fandangos enxugarem de seu repertório ritmos como polca, contrapasso e chamarra.

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Nestes tempos sufocantes para a cultura regional, folclore virou coisa pra boi dormir, entretenimento fútil e pueril; a bombacha está cada vez mais atolada para alguns e outros até celebram invenção de cuia ligada à tomada de luz. Junto, o culto da tradição se esvai limitando-se aos galpões de CTGs.

Em sua tese, Barbosa Lessa chama atenção da necessidade da inserção do tradicionalismo no meio estudantil – lá onde ele começou de forma organizada, em 1947, pois é a partir da escola que os acontecimentos retumbam. Cultivar a tradição é algo a se aprender na infância, a ser absorvido com outras culturas na adolescência e se tornar perene na fase adulta.

Já o desabafo de Marenco vem ao encontro do que a tese de Barbossa Lessa clama. Quando há alguns anos o cancioneiro regionalista cambaleava diante da moda do “tchê music” – esse discípulo do sertanejo universitário que dilacerou a música de raiz do peão do dentro do país –, o músico foi um dos expoentes do eco nativista, de um novo aflorar telúrico a sair da garganta de outros tantos artistas.

Da garganta de Marenco, vale atentar à canção “De Boca em Boca” para entender o momento delicado pelo qual passa a cultura regionalista gaúcha:

Nosso cobre da guaiaca anda minguado / Pelas coxilhas nuvem negra campereia / A pátria grande olha pra além do horizonte / E aqui nos pagos a incerteza nos maneia.

É mais do que um grito: é uma profecia outrora já anunciada.

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