Cancioneiro Gaúcho

Cancioneiro Gaúcho é uma das mais importantes obras da História do Rio Grande do Sul

Escrito por Augusto Meyer em 1952, o livro “Cancioneiro Gaúcho” por muitos anos fora referência na profundidade da pesquisa dos temas e quadras da nossa música local. A obra trás uma forte referência, citado pelo próprio autor, do livro “Cancioneiro Guasca”, de João Simões Lopes Neto, lançada alguns anos antes.

SOBRE O LIVRO:

Separado em cinco capítulos principais, o autor contextualiza a origem de grande parte das estrofes e quadras recolhidas em sua pesquisa, apontando elementos que são realmente de cunho regional e os quais são referências históricas direta, principalmente, da cultura Portuguesa.

O primeiro capítulo trata sobre os “Motivos do Fandango”, o segundo sobre os “Motivos da Trova e Descante”, o terceiro sobre “Motivos da Guerra dos Farrapos”, o quarto sobre “Poesia Gauchesca” e por fim, o quinto, sobre “Algumas Notas”, que entendo, ser a parte mais fundamental do livro.

SOBRE A METODOLOGIA DE COLETA DAS QUADRAS

Ainda na Introdução, Augusto Meyer trás uma crítica a alguns outros autores, que definiram nosso Cancioneiro Popular como puramente sentimental e amoroso:

“…suas estrofes mais típicas, mais eloquentes, são com efeito as inspiradas pelo amor, principalmente aquelas que interpretam bruscas e rudes crises passionais. A mulher foi o grande, quase única inspiradora dos nossos trovistas anônimos…”

Nas palavras de Meyer, “diante de uma análise mais rigorosa dos elementos originais do cancioneiro rio-grandense, não me parece justa a observação.”, ele julgou que, essa conclusão se deu puramente pelo método utilizado na pesquisa e no embasamento teórico de alguns autores e talvez não de outros.

Ele confirma ainda, que por exemplo, João Simões Lopes Neto utilizou além de diversas bibliografias para coleta e compilação de quadras alusivas a temas nossos, também muito da fonte oral, onde preconizou uma forma mais “folgada” de coleta popular, preferindo ter mais elementos e então os separar, do que trabalhar de forma mais rasa:

É enorme – e por aí anda esparso – o curioso acervo poético, ora ingênuo, ora engenhoso, mas sempre característico que os avós nos legaram;  fora pena que se perdessem os elementos do talvez mais rico contingente do cancioneiro popular do Brasil” – escreveu J.S. Lopes Neto.

A INFLUÊNCIA PORTUGUESA

Segundo o livro, das mais de setecentas quadras, descantes ou desafios coletados no Cancioneiro Guasca, no máximo cem poderiam se dizer mais puras e naturais do nosso timbre gauchesco, isso já tentando eliminar pequenas referências portuguesas. Como dito pelo autor – magro aparte, em rodeio tão grande.

Do restante das 100, a grande maioria é originária do Nordeste, porém, claramente com origem portuguesa.

Meyer explica que no cancioneiro gaúcho há modismos e movimentos líricos tipicamente portugueses, que nos foram deixados de mão beijada pelos Açorianos principalmente.

Por exemplo, era costumeiro ao final dos cantos de um baile ou alguma festa, que o cantador puxasse o clássico: “Eu vou dar a despedida…“.

Além disso, diversas quadrinhas sofreram por aqui pequenas alterações na sua originalidade, o que nos faz pensar que muito o que temos foi de fato criado por aqui. Vejamos o exemplo abaixo, retirado do Anuário de Graciano Azambuja:

 

Coração como este meu.

Tão leal não há nenhum;

Por este mundo em volta

Dum cento se tira um.

 

Ao transcrever a mesma quadra, Simões Lopes Neto mudou o terceiro verso para: por estes pagos a fora…

Ou seja, por via natural a fim de trazer para o nosso linguajar, se faziam modificações, porém não é claro se de fato fora em tom popular, ou apenas para registro nos livros a fim de trazer para nós alguns temas, digamos assim, mais lá de fora.

Era comum ainda, a troca do nome de cidades, na esmagadora maioria portuguesas, por cidades daqui.

MAS SOBRE O QUE CANTAVA O GAÚCHO?

Na produção genuína que deixou, o gaúcho não morre de amores, nem costumava fazer da mulher seu tema predileto, como afirma João Pinto da Silva. Na maioria dos seus cantos amorosos, impera um realismo cru ou uma franca malícia de homem que não se deixa enredar em milongagens.”

E aí, se pararmos para analisar, e logo adiante o autor também faz tal referência, mas imagem um pouco a letra da Tirana (e aqui, talvez tu estejas pensando de que a Tirana do Lenço não possui letra, é toda instrumental, mas existem também outras Tiranas…), onde trazia um tom um tanto romântico e muitas vezes “triste”, porém em contrapartida, a Chimarrita já trás uma comparação oposta, dando mais valor muitas vezes ao Cavalo do que propriamente a mulher.

Dessa forma, conseguimos trazer outras quadras para ilustrar:

 

Estou velho, tive bom gosto,

Morro quando Deus quiser;

Duas penas levo comigo:

Cavalo bom e mulher

 

Ou ainda:

 

Ao botar o pé no estribo, 

Meu cavalo estremeceu;

Adeus, morena que ficas,

Quem vai-se embora sou eu!

Ou seja, o Cavalo neste caso, seria a pura liberdade.

Reforçando ainda, a liberdade do cavalo e a relação com as mulheres, muitas vezes em um tom de conquista, com um “realismo saudável e jocoso”:

Tenho meu cavalo  baio,

Quando saio, vou branqueando,

Se quebro o chapéu do lado,

As moças ficam chorando.

 

E ainda…

 

Tenho meu cavalo escuro,

Com uma lista na barriga,

Se a morena quer garupa,

Faça senha, mas não diga…

 

Porém, em paralelo, “as moças se mostram à altura”:

 

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Ó dona, se eu lhe contasse

Você diria que eu minto:

As moças de Livramento

Usam pistola no cinto!

e

Em São Borja e São Vicente,

Pra casar não se demora,

Que as moças lá desses pagos

Cortam a gente, de espora!

O CANCIONEIRO E AS DANÇAS GAÚCHAS

Se em alguns motivos de dança, a Tirana e Quero-mana, por exemplo, a expressão amorosa atinge uma delicadeza particular, não devemos esquecer que a Tirana, como canto e dança era velho motivo ibérico e que na letra da Quero-mana encontramos vestígios de trovas portuguesas, recolhidas da tradição oral por Tomás Pires.”

A diferença clara, para Meyer, é que é possível identificar as diferenças por nossas quadras possuíram uma “violência abarbarada, um narcisismo agressivo, uma arrogância de sangue quente que ficam muito acima de qualquer comparação.”, ou seja, nosso tom é sempre em um tom exagerado, principalmente quando o intuito é mostrar uma perda.

E é aqui que entra a nossa imagem mais pura, onde o cancioneiro de forma alegre e irônica, como no Tatu por exemplo, mostrava o que seria a sua vida perfeita, onde os campos ainda eram abertos, o trabalho não era o principal, era quase um lazer, e essa veia de se supervalorizar, ao se encontrar com outros com os mesmo anseios, faziam o gaúcho se ver como o herói dos pagos, o que nada temia e tudo podia, o que ninguém conseguia dobrar.

Para Meyer, o Tatu é o nosso canto popular mais extenso e mais importante. As inúmeras facetas que o bicho Tatu tem no estado, sendo mais lembrado em um tom de brincadeira, visto que muitas vezes é um bicho desdentado e sua caçada foi algo muito comum no Estado, trás um contrapartida interessante em sua letra completa, onde da para perceber que o Tatu era um certo herói desconhecido, com uma vida sofrida e apertada:

O Tatu foi mui ativo

Pra sua vida buscar,

Batia casco na estrada,

Mas nunca pode ajuntar 

Para ter ideia da popularidade do tema, mais adiante na Guerra dos Farrapos, também foram recolhidas suas histórias:

O Tatu foi encontrado

No passo do Jacuí,

Trazendo muitos ofícios

Para o general Davi…

Para quem já teve a oportunidade de ler toda a letra completa do Tatu, vai ver que aos poucos se percebe que esse “herói”, vive quebrando a cara, ou seja, a ironia volta a falar mais alto por aqui…

Já na Chimarrita, de origem portuguesa, “mas de nítida expressão gaúcha nos versos que a tradição nos legou” é um pouco diferente. Aqui, diferente do Tatu, a história se envereda para um súbito arrependimento, com trovas repassadas de pena e remorso:

Chimarrita generosa,

Ó Chimarrita, perdoa!

Quem te chamava de má

Não era melhor pessoa.

e

A Chimarrita no campo

Co’os bichos todos falou;

Na morte da Chimarrita

O bicharedo chorou.

Sobre o Balaio, vale contar que Pereira da Costa, em Folclore Pernambucano, já se referiu a um lundu muito conhecido na época, também com nome de Balaio, com versos que são cantados até hoje pelos CTGs por aqui. Cezimbra Jacques, registrou a dança do Balaio originalmente, mas ao que se pode entender, segundo Meyer, é que o Balaio talvez fosse algo comum cantado e dançado em todo o país, “com as variantes inevitáveis que o improviso costuma criar em tais circunstâncias.”

Mandei fazer um balaio

Das barbas de um baronista,

Para embarcar o balaio, meu bem,

Daqui para a Boa Vista

 

Sobre o Caranguejo, “a adaptação como canto, aos nossos bailes de campanha, foi documentada por Koseritz em 1880 com a trova seguinte, variante rio-grandense de versos cantados até hoje no carnaval do Recife:”

Caranguejo não é peixe,

Caranguejo peixe é;

Se não fosse o caranguejo,

Não se dançava em Bagé

O CANCIONEIRO E O FOLCLORE

“As antigas danças do fandango rio-grandense passaram do salão do estancieiro para os galpões, enquanto novas espécies europeias entravam a circular entre as classes altas. Como observa Cezimbra Jacques: – entre as altas classes o fandango, que até pelos anos de 1839 e 1840 ainda era muito usado, foi sendo substituído pelas danças vindas da Europa, como o ril, a gavota, o sorongo, o montenegro, a valsa, e mais tarde as polcas, os chotes, as contradanças, as mazurcas, e finalmente as lindas havaneiras espanholas…”

Esse é um conceito importante, e que se tomou como uma certa regra entre os estudiosos do Estado, em que as danças foram sempre passadas dos “patrões” para os “trabalhadores”. Com a introdução do Chico, por exemplo, se reforça este ponto: “no sentido em que tomamos, são eles os representantes da contribuição popular à matéria patrimonial transmitida ao povo, neste caso à gente humilde da campanha, pelas classes cultas; representam por conseguinte o folclórico propriamente dito.”

Carlos Vega, também observou que o patrimônio popular é um patrimônio misto, metade folclórico, metade superior.

Porém Meyer, trás um ponto de vista diferente também, acreditando que se os pesquisadores e historiadores tivessem posto maior atenção e relatado de forma completa e meticulosa, provavelmente veríamos que a contribuição da classe culta seria maior do que o que entendemos como “criação popular”, e que se notaria que buscar “no povo” as informações, não haveriam tantas contribuições. Sobre o tema, ele escreve:

“Reduzido assim o âmbito do anonimato na chamada – criação popular, veríamos como é relativamente modesta a contribuição do povo em contraste com a iniciativa criadora das minorias cultas. Mas o preconceito herderiano ou romântico está de tal modo arraigado em nós, que preferimos supor o contrário: que é o ‘povo’, essa vaga abstração, o grande criador, a fonte generosa onde os poetas vão beber a verdadeira poesia.”

E ainda faz uma crítica a alguns Folcloristas “amadores”:

Em geral, o curioso de folclore, quando vai ao campo em veia de pesquisa, já leva consigo uma noção preconcebida do que lhe parece típico e despreza os aspectos que não cabem no seu esquema, quando são muitas vezes de grande importância para o estudo  dos novos elementos folclóricos em fase de transição.

PARA FINALIZAR

Bueno, a conversa foi longe e teríamos ainda muito para falar sobre o livro. Para ter ideia, tudo que tratei foi só sobre aspectos da INTRODUÇÃO, ficando ainda muito a se complementar sobre este breve resumo.

Para os interessados em conhecer mais, vale a busca por esta obra, pois além de diversas quadras não “usuais” para as Danças Tradicionais Gaúchas, ao final do livro ainda é falado um pouco mais da história de cada dança citada e elementos de referência, que podem ser muito úteis aos professores, instrutores, posteiros, dançarinos e pesquisadores.

E quem quiser comprar, vi que ainda tem algumas unidades do livro, lógico que usado, neste link aqui.

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