As criações coreográficas e as danças tradicionais estão em um diálogo correto?

Nessas buscas nossas e pessoais por conhecimentos sobre a nossa cultura, constantemente nos procuram para conter possíveis exageros que os grupos têm tomado, principalmente nas óticas das “temáticas” e “propostas”, onde buscam sempre o “mais diferente” e o “mais novo”, para chamar justamente a atenção do público e, por consequente, dos avaliadores (é a clássica observação: “esse ano acertamos” ou “não acertamos a proposta”).

Como lidamos de porteira aberta no meio musical de todo o Estado, também conhecemos “aberrações” sugeridas para as “temáticas” de grupos tantos (tantos e tantos), Rio Grande e Brasil afora.

Se contássemos, cairiam os queixos! Os exemplos são assustadores.

Se colocássemos um professor de História do Rio Grande do Sul a avaliar o ENART (e seus eventos paralelos), contando dele pontos para os prêmios e classificações gerais, tudo seria bem diferente: classificações mudariam; prêmios se alterariam; “bons” seriam “medianos”; “medianos” seriam “bons”; “compromissados” virariam “prejudicadores”; etc., e etc. (e se alguém ler isso e não concordar, aí sim, nossas hipóteses, todas, de que devemos realmente nos preocupar com nossos rumos futuros, estão totalmente corretas).

Como não sou do ENART, também não me considero adepto aos modelos de “entradas” e “retiradas”… Mas é esse, basicamente, o assunto aqui, que levantaram nos procurando, nos questionando sobre nossas opiniões pessoais.

A maior confusão que o evento tem hoje em dia (talvez criada, inclusive, por essa busca pelo “diferente”) é a confusão entre o que é o TIPO GAÚCHO e o que é o GAÚCHO GENTÍLICO.

Federico Reilly

 

Hoje não se sabe mais o que é influenciador de um tipo social GAÚCHO ou de um RIO-GRANDENSE, que, nesse caso, por ter nascido ou ser morador do Rio Grande do Sul, por consequência, é chamado de GAÚCHO carinhosamente.

Porém, nem tudo o que aconteceu e acontece no Rio Grande do Sul tem haver com um TIPO SOCIAL GAÚCHO, com esse TIPO RURAL, com esse HOMEM DE CHIRIPÁ ou homem da BOMBACHA. De modo geral, sendo assim, não era para estar em um palco que reverencia as nossas coisas pesquisadas “in loco”, com gente campechana, da campanha. Não nos influenciou em nada, na construção da nossa história (e um avaliador professor de História, saberia dizer com propriedade isso aos grupos).

Acredita-se hoje que as temáticas GAÚCHAS já tenham se esgotado, procurando, incansavelmente, tanto pelo “de fora”, como pelas coisas “que já foram feitas antes”, mesmo sem uma reciclagem para entender se o que já foi apresentado não tem “erros” das gerações passadas. É o caso da “tradicionalidade” já citada: dizem que tudo o que já foi feito antes era tradicional e por isso tem “tradicionalidade” (todos para mesma frente, botas brancas, mangas fofas, jaqueta campeira, etc. e etc. mais), sem analisar o porque deixaram de serem usadas.

Limites não são prejudiciais… E “liberações” não (e nunca) foram sinônimos de “histórias bem contadas”!

Citei anteriormente (em outra Coluna) sobre celulares, tênis, bonecos, ursos, palhaços, brinquedos atuais, tecnologias (etc., e etc.) em palco. Reflexos que não influenciaram em nada nosso TIPO GAÚCHO, fazendo parte apenas de um RIO-GRANDENSE gentílico.

E é aí, depois dessa “grande” introdução, que chegamos ao “quê” da Coluna.

Para tentar “corrigir” esse “mal-entendido” (pecado histórico, abraçado pela dança em geral, de hoje em dia, sem freio), amigos nos procuraram justamente para colher sugestões, dentre outras tantas, acolhidas com tantos nomes da nossa dança atual, entre instrutores e dançarinos… Só a título de curiosidade e “charla”. E aí temos de botar a “cabeça pra pensar”, buscar referências reais e não hipotéticas, refletir sobre o que é nosso, amadurecer e, até, talvez, “fazer contrários” aos nossos pensamentos. As conclusões que se chega são poucas, mas realmente fundamentadas.

Vamos analisar o que vimos primeiramente então!

UMA BREVE ANÁLISE DO MOMENTO ATUAL:

O Movimento Tradicionalista atual abraça, no guarda-chuva dos seus concursos, todas as tipologias e épocas das nossas danças.

Não entendeu? Deixa explicar, para ficar melhor.

Vamos separar esse guarda-chuva em três épocas distintas, dentro dessa análise:

  1. DANÇAS SEM A PRESENÇA DA MULHER NO RS;
  2. DANÇAS COM A PRESENÇA DA MULHER NO RS, JÁ MORTAS; e
  3. DANÇAS COM A PRESENÇA DA MULHER, AINDA VIVAS.

DANÇAS SEM A PRESENÇA DA MULHER NO RS:

As DANÇAS SEM A PRESENÇA DA MULHER NO RS são aquelas onde se geraram antes da chegada dos açorianos no Sul do Brasil, basicamente antes de 1748 (quando apostaram os primeiros casais açoritas no Desterro catarinense) e 1752 (quando chegaram os primeiros casais já ao RS).

São as pesquisadas DANÇAS BIRIVAS DO TROPEIRISMO GAÚCHO, dançadas somente por homens. Danças essas que o Movimento Tradicionalista administra no evento chamado de FEGADAN, que ocorre em Outubro de cada ano – segundo calendário oficial – bailando a Chula, o Fandango primitivo sapateado, o Chico do Porrete e a Dança dos Facões (apenas).

 

DANÇAS COM A PRESENÇA DA MULHER NO RS, JÁ MORTAS:

DANÇAS COM A PRESENÇA DA MULHER NO RS, JÁ MORTAS, são aquelas todas que conhecemos, nascidas pós a imigração açoriana (1752 aqui, como citado) e aperfeiçoadas com a chegada dos imigrantes germânicos e a musicalidade italiana, englobando, entre elas, todas hoje conhecidas como Tradicionais: a Tirana-do-Lenço, o Tatu com Volta-no-Meio, Queromana, Caranguejo, Chimarrita, Cana-Verde, Havaneira Marcada, Chico Sapateado, Pau-de-Fitas, Faca Maruja, Vinte-e-Quatro, etc. e etc. e etc. Essas danças, além de outras tantas mais, o Movimento administra, repartidas tanto sob o regulamento do concurso do FEGADAN (em Outubro) como do ENART (com suas Regionais, Inters e a etapa Final de Novembro).

 

DANÇAS COM A PRESENÇA DA MULHER, AINDA VIVAS:

Já, por fim, as DANÇAS COM A PRESENÇA DA MULHER, AINDA VIVAS, são as que conhecemos e dançamos constantemente nos bailes atuais, nascidas algo entorno do início do Século XX e das gravações dos primeiros discos fonográficos, da Casa Eléctrica, aperfeiçoadas pela propagação posterior da Geração do Rádio: são Valsas “Campeiras”, Rancheiras, Vaneiras, Chotes “Se Largando”, Polquinhas “Limpa-Banco”, Serrotes, e etc. Já esses temas, o Movimento Tradicionalista também administra, eles dentro do evento ENART, sob a ótica das Danças-de-Salão e de seu regulamento particular existente.

 

FEGADAN, ENART (DANÇAS TRADICIONAIS) E ENART (DANÇAS DE SALÃO)

Bueno, ou seja então: nas DANÇAS BIRIVAS, que acontecem no concurso do FEGADAN, temos as Danças Masculinas anteriores a entrada da mulher e do nascimento da sociedade no RS (até 1752); já no ENART e no FEGADAN, nos concursos das danças Tradicionais, temos as danças de Projeção Folclóricas, com a presença da mulher, girando entre 1752 e 1900; e, por fim, nas Danças-de-Salão, temos as danças posteriores a 1900, bailadas até os nossos dias atuais.

São assim 3 Ciclos diferentes de danças, em concursos também diferentes de danças e abraçando justamente cada data consecutiva:

CTG S.A.Powered by Rock Convert

01_FEGADAN – Danças Birivas: Anterior ao Ciclo da mulher;

02_Palco do ENART e FEGADAN – Danças Tradicionais: Posterior ao Ciclo da mulher e anterior aos Ciclos atuais;

03_Palco do ENART – Danças de Salão: Ciclo atual de danças folclóricas.

Dentro dessa ótica (apontada com padrão histórico), se enquadrássemos (ou enquadrarmos) os temas usados para “entradas”, “retiradas” e “propostas”, dentro da temporalidade de cada Ciclo de danças apresentadas em cada concurso, temas que mostrassem épocas sem a presença da mulher no RS (como Birivas, Changueadores, Faeneneiros, desjarreteadores, possíveis panças-de-burro, gado cimarrón, ou outros tantos anteriores a 1752) não eram historicamente, nunca para estar no palco das danças Tradicionais do ENART.

Se fosse possível (hipoteticamente também citando), eram para estar no palco das Danças Birivas do FEGADAN então (claro, que essa possibilidade é um simples exemplo, pois lá também não estaria, por claros padrões culturais distintos). É lá, o concurso que abrange a dança ANTERIOR AO CICLO DA ENTRADA DA MULHER NO RS.

Já, toda temática posterior à entrada e permanência da mulher colonizadora na sociedade no RS, esta sim, poderia e seria apresentada no palco das Danças Tradicionais do ENART (cada grupo que procurasse possibilidades criativas dentro dessa ótica e temporalidade).

E, por fim, todo o atual, posterior ao Ciclo das danças de Quarta Geração Coreográfica (de Pares Enlaçados e de Projeção Folclórica, com Passos e Figuras), seria tema para estar no palco das Danças-de-Salão do ENART, pois é lá onde o atual é fomentado, “preservado” e “cultuado”. Nas Danças-de-Salão deveriam estar os elementos “modernos”, “atuais”, “contemporâneos”, referente ao período das danças ainda Folclóricas nossas (Vaneiras, Rancheiras, Chotes, Valsar, etc.).

Não seria isso pela lógica?

Frasca

PALCO DO ENART E TEMÁTICA DE ENTRADA E SAÍDA

O palco das Danças Tradicionais do ENART é referenciado justamente pelas Danças Tradicionais, iniciadas no Rio Grande do Sul, de 1752 a 1900, basicamente. Então as propostas deveriam, todas, também serem compatíveis com esse tempo e essa tipologia de sociedade. O que aconteceu antes seriam para palcos onde as danças e o tempo é anterior a 1752. E o que aconteceu depois (inclusive o atual, os tênis, celulares, ursos, brinquedos, etc.), seriam para palcos onde se engloba o posterior a 1900. E basicamente assim estaríamos corretos, historicamente citando, para uma didática mais abrangente e adequada, à nossa história.

Não há lógica reverenciarmos em palco um tema como o dos Changueadores, com desjarreteadores em punho e tudo mais, se nesse período histórico nosso Rio Grande nem era Rio Grande, não existiam cidades (somente as Missões), não existiam povoados, nem mulheres… E, depois disso, dançarmos temas que nasceram no mundo bem a posterior a essas datas… É um conto “do vigário” ao público presente… E, que, “cola”.

É como o caso da bota-de-gaitinha, que, para a Palestra de Indumentária, realizada no CTG Brazão do Rio Grande, em Julho de 2017, o folclorista nos alertou que ela fazia parte da cultura gaúcha, porém não do Ciclo das Danças de Projeção Folclórica. É ela uma peça mais atual, condizente ao Ciclo das Dança de Quarta Geração ainda Folclóricas, como Vaneiras, Vanerões, Valsas, Rancheiras, Chotes, etc. A peça foi introduzida no Rio Grande do Sul por carreteiros e caminhoneiros, vindos mais do norte do Brasil, tendo seu uso evidenciado em bailes mais modernos, com danças sem figuras (como as citadas).

Não entraremos aqui (ao menos ainda) nos temas “estrangeiros”, esses que constante e infelizmente cada vez mais vemos em palco. Isso por ele merecer um Capítulo aparte e também muito critico, com conceitos concretos e já escritos (lembrando que temas Uruguaios e Argentinos, além de Paraguaios, Chilenos e afins, também são temas estrangeiros, que não identificam nosso lugar e nossa gente Rio-Grandense, por mais parecido que venha “a parecer” ser).

 

CONTRADIÇÕES DAS TEMÁTICAS COM AS DANÇAS

Não há lógica nenhuma, num ENART da vida, uma avaliação de Indumentária não permitir mesclar Saiote e Bombacha (mesmo sabendo que na Serra Gaúcha a transição das peças ocorreu justamente do Saiote para a Bombacha, diretamente, já que o Chiripá dito “Farroupilha”, ou “Fralda”, nunca nem chegou a essa geografia), porém permitindo mesclar propostas e coreografias anteriores ao Ciclo da mulher no RS com Danças de Projeção de Quarta Geração, de Pares Enlaçados. Não há lógica histórica… O padrão é dúbio.

Ou ainda, um grupo dançar um Tatu com Volta-no-Meio e realizar uma temática com um “carro” em palco, ou um boneco de pelúcia, um brinquedo tecnológico, máquina fotográfica, etc. e etc. Os exemplos são vastos. Tudo também sem lógica histórica.

É realmente importante isso para a nossa cultura? Para a representatividade e didática do nosso TIPO GAÚCHO?

Inclusive, seguido buscam temas para crianças na infância atual de nossa gente. Ora, meus avós foram crianças em 1940 e minhas bisavós em 1889. Crianças sempre existiram. Não é a nossa infância atual mais importante que as danças e a temporalidade delas, que levamos a palco.

O atual não só não contou ainda da gente, como pode um dia nem contar!

Castell Capurro

ENFIM, O QUE QUERO DIZER…

Cremos verdadeiramente que o evento tem de se reestruturar historicamente, para realmente ser expressivo historicamente… como um todo! Para ele realmente contar da gente, como a gente foi… Para os que nos assistem e os que nos buscam via Internet e Youtube, em todo o mundo aprendam sobre os valores do nosso lugar.

Já imaginaram, uma pessoa em Paris, na França, olhando uma Queromana no palco gigantesco do Enart, e não ver nela, uma dança realmente gaúcha, um símbolo de um Estado crioulo? E, ao olhar pro lado, no palco de um Cabaret parisiense, dançarinos, com muito mais qualidade e potencial econômico, mostrando de onde aquelas influencias modernas realmente vieram?

O que queremos ser: exportadores de valores e referencias? Ou consumidores de elementos externos (só pela desculpa de ser diferente “para esse ano” em palco!?)?

Parece que o evento se tornou, sem notarmos, um concurso de “parênteses”… de “exceções”… de “poréns”… de “suposições”… de “talvez”… de “possibilidades”… de “universos paralelos”… de “mas quem sabe”… de “poderia ter sido assim”… de “povos vizinhos”… de “parecidos”… de “estrangeirismos”...

Porém: e de homens gaúchos, crioulos, sérios, sóbrios, rurais, campechanos, valorosos, nosso!? …Nada!?

Qual identidade estamos contando? Será que estamos realmente contando da gente? Da nossa gente? Será que realmente estamos “cultuando” o nosso povo? Ou simplesmente estamos descrevendo “momentos” e “modismos”, como sendo “alguma possível referencia nossas”, sem padrão algum com a história que deveríamos levar adiante?

O que é realmente interessante contar da gente?

Pois, como um dia disse um dos nossos maiores poetas Rio-Grandenses, Antônio Augusto Ferreira: “Talvez o mundo arrebente, talvez o mundo desabe! E o futuro desta gente? Ninguém sabe!”

Salve a cultura do Rio Grande do Sul!

#Salve

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