Dizem que os elefantes sabem exatamente onde irão morrer, sem mesmo nunca precisar ter estado lá.
Poisé…
Há tempos venho publicando e divulgando um texto, que gosto muito, de um parceiro e também amigo, poeta de Jaguarão, Martím César Gonçalves, chamado “Cemitério de elefantes”, baseado em uma coletânea narrativa do autor Dalton Trevisan, ambientada em um meio rural de valores patriarcais.
Pela noção de importância que o texto nos dá, com essa exatidão ainda em mente, me “aproprio” do título de sua lavra para poder também nomear, de maneira homônima, a intenção desta coluna… pois, os elefantes sabem exatamente o local de sua morte, sem nem ao menos precisar ter estado lá!
Meu chão, além da arquitetura, é dança e música… básicamente nessa ordem. E na dança realmente tenho mais graxa pra queimar, é onde acho que está meu maior talento e onde creio que posso opinar e dar bons caminhos à movimentação cultural que ela proporciona.
E foi justamente nessa caminhada, após um II Fegadan, em outubro de 2015 (evento novo de danças gaúchas, organizado pelo MTG do RS, em Caxias do Sul), rumando para o palco de um ENART de trinta anos, que uma infinidade de amigos e conhecidos me questionaram mais sobre como era nosso movimento de danças nas décadas de 70 e 80.
Claro que não fiz parte disso tudo como dançarino: nasci em 1980. Mas meu CTG, o Brazão do Rio Grande de Canoas, meus pais e muitos conhecidos, amigos e até alunos atuais estavam lá. Sei de muitas histórias, claro. Tantas inéditas. Inclusive muito do que se perdeu nos registros oficiais eu sabia, tinha e repassei adiante a quem pedia e precisava.
E minha curiosidade foi aumentando. Não só minha, como a de muitos. Até que fui obrigado a montar um material básico, o qual divulguei a quem necessitava, contendo minhas versões sobre o extinto e pioneiro Festival MOBRAL (evento este que o Brazão venceu nas três primeiras edições, de 1977 a 1979, consecutivamente).
Claro que as redes sociais não podiam estar de fora, já que nela muitos vem cumprindo com uma função e divulgação cultural de maneira primorosa.
Sou sincero que não sei bem o que a estrada me apresentará quando damos nossas “opiniões” ou propagamos nossos conhecimentos. Tudo é novo.
Não sei das paisagens, das pedras, do que ficará dos rastros e se alguém terá o sacrilégio de fazer fogo em cima dos meus, já apagados. Mas dizem que a estrada é realmente o que ensina. Onde quero chegar, eu sei: quero saber sobre nosso povo, sobre temas que poucos abordam, tópicos que ensinem e que possam ficar na obra de muitos que serão leitores deste.
Pois, uma escola que trilhou os caminhos saudáveis que a nossa dança permitiu, admirando constantemente nossos folcloristas sérios, só pode passar adiante temas que interessem, não só à dança em si, mas como recuperação de elementos folclóricos que a repetição tradicionalista, às vezes, tende a deixar desinteressadas à grande maioria.
O lado da música me trouxe muito. Me deu amigos, me mostrou lugares, me levou às estâncias, chácaras e “pueblos”, a caminhos e picadas que a dança não teve como me proporcionar. Me apresentou pessoas simples, trabalhadores e moradores rurais, com antiguidades ainda nas falas e nos gestos. Pessoas que não se divertem mais do que simplesmente cultuam.
Mas a música e a dança, o campo e as pessoas, são tudo fruto de um único ambiente e de um estereotipo humano e social ausente do resto do mundo. E essa observação nos coloca em um pedestal de preservação muito maior do que um simples divertimento ou entretenimento.
A dança, na ótica que aprendi da estrada, é um complemento da nossa terra e do nosso ambiente rural (cada vez mais absorvido pelo trigo, pelo soja e pelas cidades grandes). É um culto a um lugar que não se fez a base da alegria, mas sim de mãos calejadas e terras prometidas e não entregues a nossas colonizações.
Essa gente, essas paisagens e esse culto sagrado a um lugar mais sagrado ainda é o que pretendo deixar impregnada em cada palavra aqui escrita durante as madrugadas quinzenais, para preservar no olhar dos leitores muito da nossa origem e do que se perde constantemente da nossa gente… principalmente no que demonstramos nos palcos, por aí afora. Esse é meu fim, o meu objetivo, o lugar que sei que existe sem ao menos nunca ter estado lá… o “cemitério de elefantes” que todos verão constantemente em minhas “opiniões”.
Pois os elefantes sabem exatamente onde irão terminar, sem mesmo nunca precisar ter estado lá!
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“Às vezes penso que escrevo, com a tola pretensão de deixar rastros para o futuro. E cada vez que penso nisso, eu me pergunto: Para quê? Mesmo que essas pegadas escritas conseguissem sobreviver à intempérie de um mundo cada vez menos atento a essas digressões, a esses devaneios, o futuro – esse Deus implacável – pertence a um tempo em que eu certamente não estarei mais aqui. E já nada importará! Qual seria, então, a lógica desse ato insano? E sempre que penso assim, obtenho a mesma e misteriosa resposta: Sou o ínfimo elo de uma corrente, que não me cabe vislumbrar de todo. Igual ao cachorro que esconde o osso para os dias de escassez, mesmo quando essa escassez já não existe. Ele recorda, sem saber, os dias de uma antiga e esquecida glaciação, quando assim era preciso. Qual o elefante que sabe o lugar onde deve ser o seu final, mesmo sem nunca ter lá estado. Ele recorda onde é, sem saber como. Somos parte de uma engrenagem chamada vida. Mesmo quando já não estivermos vivos. Por isso, com toda essa tolice de escrever para um futuro ausente, ainda assim, quando perguntado – como Suassuna – Se temo a morte… A minha resposta é exatamente igual à dele: Não! Não temo! Temo, isto sim, que ela chegue a mim no meio de um texto ou de um poema em que eu estiver ali, sem saber por que, escrevendo, justificando a minha vida.”
Por Martim César
-X-X-X-X-X-X- Vamos fomentar esta estrada em direção às coisas simples do nosso povo!
Salve!!!
Em tempo, este texto foi publicado primeiramente no site ABC do Gaúcho.
Diego Müller passará a fazer parte das publicações de textos próprios aqui na Estância Virtual.
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