A memória humana é altamente falível. Já recorri reiteradas vezes os profundos rincões das lembranças para trazer à tona aquele fatídico encontro numa esquina de Bagé, iluminado por um lânguido sol de inverno. Eu procurava Eron Vaz Mattos. Aquele senhor misto de lenda, de poeta, homem de campo, portador de uma rara chave com acesso ao mais rico conhecimento: a cultura regional.

O encontro correu como deveria ser. Parecíamos velhos amigos. O meu propósito era muito bem entendido por aquele a quem eu considerava – e considero – um ídolo. Atento, ele escutou o que eu tinha a dizer.

“Tio” Eron, quero escrever um livro. Penso que o mundo se transforma. Que existem novas exigências. Que tudo aquilo que serviu de base para a construção da nossa identidade está se perdendo. Que a cultura gaúcha é muito baseada na tradição oral.

– Olha os exemplos dos nossos vizinhos Uruguai e Argentina. Tantas obras que valorizam as tradições, o gaúcho. Por que não conseguimos seguir estes exemplos por aqui?

Minhas dúvidas, minhas angústias eram bem entendidas, pois, é claro, eram as dele também. Neste momento, ganhei muitas coisas. Um exemplo, um mestre, um conselheiro, um apoiador. Naquele mesmo dia saí com um livro em baixo do braço.

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Este, felizmente, a memória ajudou a conservar! El Gaucho, documentacion e iconografia, de Horacio Jorge Becco e Carlos Dellepiane Calcena. Este livro me abriu os caminhos. Depois centenas de outras obras, viagens, museus, entrevistas, mapas, documentos…. muitas horas, dias, semanas, lendo, observando, escrevendo, apagando, riscando… até aquela tão difícil palavra, de três letras: Fim.

Claro que ali não era o começo. Tive a felicidade de crescer muito próximo ao campo. Aquele cenário de cavalos, de gado, de tropas sempre preencheu meus pensamentos. Tive avôs campeiros. Professores. Convivi com as gentes simples que povoam a campanha. Essas vivências sedimentaram o meu caminho. Mas depois daquele encontro, o que era um sonho distante, talvez, se tornou mais próximo.. Escrever um livro, contar a nossa história.

Quinze anos se passaram daquela tarde de inverno. O Influência ganhou nome. Ganhou o olhar mágico de Eduardo Rocha e, através das suas lentes, materializamos índios, changadores, lanceiros que criaram vida outra vez.

O projeto ganhou as ruas, as redes, o mundo. Ganhou muitos amigos, irmanados num sentimento comum: preservar nossas tradições. Falamos em história. Em uma memória comum. E ela é feita de passos, de batalhas. O Projeto Influência trava agora uma nova luta. Com ajuda das competentes Letícia Lau e Adriana Donatto, nosso projeto foi aprovado na Lei Rouanet, o principal mecanismo de fomento à Cultura do Brasil. Começamos um novo caminho, a captação de recursos para o financiamento do projeto.

Difícil? Certamente. Mas é uma luta que vamos vencer. A nossa rede de apoiadores cresce. Todos, dispostos a dar voz àquelas conversas de fogo grande de galpão.

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