Chote ficou famoso, marcou época e é conhecido em todo o Brasil!

A Doralice “era aquela moça gorda”, cujo casamento verdadeiramente ocorrido virou tema para o primeiro bugio gravado pelos Irmãos Bertussi em meados dos anos 1950. Antes dela, porém, outra mulher figurou em uma composição regionalista gaúcha apresentada pelo catarinense Pedro Raymundo: uma tal de Mariana, a “moça lá de fora”.

E, assim como Doralice, a mulher da canção de Pedro Raymundo também existiu.

Eu havia criado em 2012 uma seção chamada “Os Canelistas”, publicada no jornal Nova Época, onde sou editor. O espaço, findado em 2018 com 296 entrevistados, dedicou-se a contar em forma de crônica a história de pessoas que, nascidas ou não em Canela, construíram boa parte de sua vida por aqui. Virou um documento de acervo comunitário inédito no Brasil e resultou em dois livros.

Em 2014, entrevistei um brigadiano da reserva chamado Plinio Nascimento, natural de São Pedro do Sul. Ele havia chegado a Canela em 1961, de trem, e aqui fez sua vida no quartel local. Quando ele me contou quem era sua mãe, caiu-me o queixo!

Ele era filho de Mariana Pereira de Amor. Só pelas andanças de Gaúcho da Fronteira e de Berenice Azambuja país afora, é de se deduzir que sua mãe é a mulher da música gaúcha mais cantada além-Rio Grande.

Mas a história da Mariana é uma “estória”, ou seja, não é real. Segundo seu Plínio, a “história” de sua mãe trata de uma mulher retraída e simples, nascida em 1897 na região das Missões. “Não era agressiva, mas valente. Não tinha medo de enfrentar os problemas da vida”, hábil no violão e na gaita concertina (a Hohner de oito baixos no colo do filho, na foto).

Mariana era responsável por cuidar de tudo e dos filhos durante as ausências do marido a trabalho. A propriedade da família ficava na zona rural do atual município de Dilermando de Aguiar. Para se proteger, portava uma adaga e um revólver.

A narrativa do chote de Pedro Raymundo é exagerada ao descrever o perfil comportamental de Mariana. Contudo, a letra parte de um fato verídico que nunca viera a conhecimento público.

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Certa feita, numa das ausências do marido, um sobrinho dele foi hospedado por Mariana (também se chamava Job). O moço, sem levar em conta o fato de estar na casa da mulher do tio, passou a cortejá-la desrespeitosamente.

Certa feita, Mariana explodiu. Colocou as roupas do rapaz numa malinha e a jogou na rua, mandando o parente do marido embora. Esse fato aconteceu em 1925 e atravessou a divisa do Rio Grande, chegando ao conhecimento do catarinense Pedro Raymundo graças a outro parente da família de Job, chamado Gabriel Barreto. A história foi levada muito em conta pelo músico, pois o marido de Mariana era seu conterrâneo de Imaruí (SC).

Na capa do disco de Pedro Raymundo (1943) que apresenta Adeus, Mariana como canção principal, vê-se ele fugindo de uma mulher loira e de pele clara, fazendo referência à moça briguenta. Mas a Mariana era morena dos olhos verdes, com traços da identidade missioneira da cruza com sangue guarani. Diferentemente da figura com vestes citadinas na capa do disco, trajava-se como mulher do campo.

No frigir dos ovos, foi o típico telefone sem-fio, o tal “quem conta um conto aumenta um ponto”. O episódio de Mariana com o parente homônimo do marido, de fato, extrapolou a realidade na composição de Pedro Raymundo e ganhou doses de literatura de ficção.

Aí se aproveita, na música, muito pouco do que ela foi”, confirma seu Plinio, que acrescenta: a mãe nunca usou “chapéu grande, bombacha e esporas” e muito menos se casou na Serra, onde ela nunca esteve.

Mariana faleceu em 1954, em Uruguaiana.

Márcio Cavalli,

Jornalista, professor e memorialista.

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