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Fichu: De ornamento funcional lançado pela moda, a peça integrante da indumentária tradicional gaúcha.

Ahhh… quanta delicadeza permeia o universo da indumentária da Prenda! Enquanto a simplicidade das fitas entrelaça encantos, o colorido discreto dos bordados afloram os olhares.

Vestir-se de Prenda é vestir-se de afetos, carinhos, memórias… e histórias. E por falar em história, você sabia que cada elemento que compõe a nossa indumentária é revestido de sentidos?

Reflexos de um tempo que não volta mais… é bem verdade! Mas temos o privilégio de voltar “naqueles” tempos, viajar pela história e buscar o que temos de mais precioso – o conhecimento.

E é por este viés que dou início à minha participação aqui na Estância Virtual, compartilhando um pouco de como era…. Sem a pretensão de dizer como deve ser!

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Lançado pela moda ainda no século XVIII, o Fichu logo passou a circular por diversos países, e mais tarde veio a se tornar parte da indumentária tradicional da mulher gaúcha. O pequeno lenço usado em formato triangular surgiu como peça de recado, com o objetivo de proteger o colo, porém, impulsionado pelo fenômeno moda, logo deixou de ser uma peça apenas funcional e passou a acompanhar as tendências de moda ao longo dos séculos.

Contudo, no Rio Grande do Sul, em razão da sua tradicional usabilidade, fato descrito pelos viajantes europeus que registraram a História no século XIX, e confirmado por Paixão Côrtes[1] em suas pesquisas de campo no século XX, o Fichu se tornou um dos elementos identitários do vestuário tradicional gaúcho. Logo, ele deixa o efêmero campo da moda, e integra a indumentária tradicional, compondo o universo da prenda gaúcha.

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De algodão, musseline, seda ou renda artesanal, o Fichu foi pesquisado por muitos historiadores da moda e do vestuário e hoje integra importantes obras da área. Vejamos o que dizem os autores da História da Moda sobre seu conceito, usabilidade e modelagem.

James Lever[2] diz que, no final do século XVIII o decote tornou-se muito amplo, então por uma necessidade de civilidade entrou em evidência um elemento chamado Fichu, que tinha a função de esconder a parte de baixo do decote. Era um quadrado grande de linho, musseline ou seda dobrado, mas havia também meio lenço para ocasiões informais.

De acordo com Carl Kohler[3], a peça poderia ser usada por baixo ou por cima do corpete, nesse caso era cruzado sobre o busto e preso nas costas por um grande laço. Em geral, o Fichu era disposto de modo a ficar o mais solto possível na frente.

O Fichu se usou principalmente nos séculos XVII e XIX cita Marcos Sabino[4], e servia principalmente para cobrir os decotes ou cabeças. Era muito usado por mulheres do campo e por inúmeras vezes esteve na moda. Auguste Racine[5], registra na obra História dos Costumes, que o Fichu fez parte de inúmeros países e se tornou tradição em muitas regiões, fato ocorrido também no Brasil.

No que tange a presença deste elemento no vestuário da mulher gaúcha, o viajante Saint-Hilaire confirma por meio de seus registros realizados ainda na primeira metade do século XIX, por ocasião de sua passagem pelo Rio Grande do Sul e Uruguai que era um elemento muito utilizado por aqui.

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Figura 01Idilio Criollo, óleo sobre tela (100x140cm), 1861.[6]
Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire, conhecido como Auguste de Saint-Hilaire, foi um cientista francês, especializado em Botânica. Chegou ao Brasil em 1816, na qualidade de membro da Embaixada da França para uma importante pesquisa científica. Viajou pelo interior, percorrendo especialmente o Sudeste e o Sul do país, classificando e organizando uma vasta coleção de plantas, animais e minerais. Foi referência para muito pesquisadores, e suas coletas fazem parte de importantes coleções de museus e arquivos europeus.

Embora sua viagem tivesse propósito científico, e os relatos incluíssem minuciosas informações dessa natureza, seus escritos trouxeram informações preciosas sobre as pessoas que aqui viviam – seus hábitos, costumes… vestuário. Ao relatar o vestuário das pessoas que aqui viviam, descreveu a presença do Fichu.

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Saint-Hilaire faz apontamentos acerca do vestuário das diferentes classes sociais que presenciou no início do século XIX e, em todos os registros, destaca que as mulheres no Rio Grande o Sul eram bem vestidas.

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Em seu primeiro registro, o viajante expõe as fragilidades das casas de família em que se hospedava, mas ressalta que “a mulher do proprietário da casa é certamente muito melhor vestida que as camponesas francesas[7]. Em outra experiência cita o autor que a “dona da casa estava vestida como uma dama, semelhante a mulher da casa anterior […], usava um vestido de cor azul nakin, manga longa e um Fichu de musseline; seus cabelos são presos com uma travessa”[8]. E segue citando a presença do Fichu em sua estada também no Uruguai.

Do mesmo modo, Jean Leon Pallière Grandjean Ferreira, filho e neto de artistas franceses, foi um destacado pintor, nascido no Rio de Janeiro em 1823 e registrado como cidadão francês ainda criança. Estudou em Paris e na Itália e, entre os países por onde passou, circulou entre a França, berço da moda e a América do Sul, e permaneceu em Buenos Aires entre 1855 e 1866, período em que retratou o gaúcho argentino e consequentemente seus costumes, fato em que resultou em uma série publicada em 1864 no Album Pallière – Escenas Americanas.

O autor se destacava por trazer para a cena das suas representações a mulher. O gaúcho livre que vivia sozinho pelos campos surge de repente nas telas do autor em cenas enamoradas. Com suas companheiras de retrato, bailam e namoram, com seus trajes gaúchos e, mais uma vez o Fichu é lançado como elemento indispensável da prenda.

Ou seja, seja no Rio Grande do Sul, Uruguai ou Argentina o Fichu integrou o vestuário da Mulher. E, graças à Paixão Côrtes, o mais autêntico e renomado pesquisador das nossas tradições, o Fichu foi resgatado por meio de pesquisas de campo e integrado a Indumentária tradicional da Prenda.

Quer conhecer mais sobre o Fichu?

Assista o vídeo abaixo, faça uma curta e proveitosa viagem por essa história e me conte aqui nos comentários o que achou!

Com carinho,

Edineia

Referências para que possam aprofundar o tema:

[1] CÔRTES, J. C. Paixão; CÔRTES, Marina M. Paixão. A Moda: alinhavos e Chuleios. 2ª Ed Ampliada. Caxias do Sul: Lorigraf, 2005.

[2] LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

[3] KOHLER, Carl. História do vestuário. Martins Fontes: São Paulo, 2001.

[4] SABINO, Marco. Dicionário da Moda. Rio de Janeiro: Editora Senac Nacional, 2002.

[5] RACINET, Auguste. The Costumes History. Koln: Taschen, 2003.

[6] Acervo do Museo Nacional de Bellas Artes, Buenos Aires, Argentina.

[7] SAINT-HILAIRE, Auguste de. Voyage a Rio-Grande do Sul (Brésil). Orléans: H. Herluison, Libraire-Éditeur, 1887, p. 5 (tradução nossa). Versão em Português:  https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/1064

Versão em Francês (incluindo sua passagem pelo Uruguai): https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=43359

[8] Ibidem, p. 5 (tradução da autora).

 

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Edineia Pereira é graduada em História pelo Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE; Design de Moda pelo Centro Universitário Carlos Drummond de Andrade; Especialista em História Cultural pela Facel; Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS e Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, com pesquisas e obras sobre o Gaúcho. Há dez anos se dedica a docência nos cursos superiores de Design de Moda e Arquitetura e Urbanismo, ministrando disciplinas de História da Arte, da Moda, da Indumentária e da Arquitetura. Atua na área de gestão universitária com pesquisa, extensão e cultura, como membro do Conselho de Ética em Pesquisa CEP/CONEP e Conselheira Municipal de Cultura. Participa efetivamente do Movimento Tradicionalista Gaúcho há trinta anos. Foi Primeira Prenda do MTG – SC e Primeira Prenda da Confederação Brasileira da Tradição Gaúcha – CBTG.

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